sexta-feira, 3 de abril de 2009

O fino

Fernando Fino amaldiçoou o seu nascimento desde o dia que aprendeu a amaldiçoar. O que é isto de viver sem o querer?

Cresceu no Redondo e nunca parou de crescer. Amaldiçoou a ironia do seu local de nascença. Morbidamente obeso nunca conheceu o sabor da fome. O que é isto de não saber o que é comer e encher as entranhas sem nunca se completar? Amaldiçoou a maldade do seu apelido.

Viveu sentado numa tábua de dois por quarto pregada por ele em oito bilhas de gás verdes na porta de uma leitaria de beira de estrada. Todos os dias a limpar o suor da testa com o pulso que não conhecia. Todos os ossos escondidos debaixo das planícies da sua carne.

Fernando Fino foi um sortudo, escolhido pelo distrito local. Seria operado numa operação nova onde lhe retirariam mais de metade de si numa operação nada complicada. Teria as miudezas sufocadas por uma rede e saberia finalmente o que seria caminhar.

Amaldiçoou enquanto pôde amaldiçoar o dia em que o fizeram.

Não resistiu.  Nem nunca se viu.

Morreu já só metade de si, provavelmente com a metade que não interessava.

A outra, feita mais dele do que a que jaz na terra, conserva-se pelos quintais, nas árvores e nas plantas.

Essas que amaldiçoam não ter voz para perguntarem como ele

O que é isto de se viver sem o querer?

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