sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Os estranhos também amam

Aos 23 anos, Fernando Tita Ferreira conheceu aquele que viria a ser o amor da sua vida. Foi ao comprar cigarrilhas, na Casa Havaneza, em pleno Chiado. Nunca a tinha visto ao balcão até aquele dia e, surpreendentemente, nunca mais a voltou a ver. Nem quando regressou no dia seguinte com a desculpa de comprar fósforos. Ela já lá não estava.

Talvez fosse amiga ou parente de um dos funcionários, estando apenas a fazer umas horas como favor, Fernando nunca soube ao certo. Mas era uma fonte de frescura que refrescava só pelo olhar. Cabelos dourados presos num carrapito, sardas na face, lábios reluzentes, tudo o que fazia lembrar a Primavera num único corpo de mulher. Corpo esse que aguçava a curiosidade, por entre as formas da camisa de linho branco, e fazia crepitar a gula do sósia pessoano.

Nesse mesmo dia, e sem ter trocado mais do que meia dúzia de palavras com ela, Fernando sabia que estava apaixonado. Que iria amar aquela mulher até ao último dos seus dias.

Materializou esse sentimento num pequeno poema que viria a escrever por volta das duas da manhã, enquanto combatia a insónia recorrente.



Do teu estranho amor por Fernando Tita Ferreira, 1982



Estranho
o Mundo.

Não só a palavra mas tudo.
A sua forma e conteúdo,
é tudo estranho para mim.

Abro os olhos e é estranho.
As cores, as formas, os sons,
os corpos das pessoas, os tons
que usam, que mostram,
que tanto mistério tem
e a forma como movem.

É tudo estranho para mim.

Mas há um raio de luz.
Não sei o que quer dizer.
Mas se a certeza não vier
para mim não é coisa estranha,
é a vida que quer saber.

E é só por isso...
mesmo só por isso,
que escolho viver.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

suicídio

está decidido! vou imolar.me dentro de um balde de praia trancado. é seguramente a única maneira de me perseguir com alma e conquistar eternidade. está decidido!

domingo, 6 de setembro de 2009

Morreu Agosto

Aquando da morte de Agosto, Setembro decidiu revelar o ensaio crítico que elaborou acerca daquela pessoa, avaliação efectuada ainda a meio de Julho.
Crítico factual. Nunca destrutivo.

Prestamos-lhe assim homenagem com a transcrição dessas palavras:

"Agosto é um turista refilão.

Sua abundantemente
porque gosta de confusão.

Tem os sovacos molhados,
camisa colada
e cheira pior do que mal.

Mal educado e violento,
fica vermelho ao esbracejar.
Não conhece o seu lugar.
Nem sequer sabe estar.

Conduz nervosamente
e sempre directo ao Sul.
Depois leva tudo à frente.
Come sofregamente,
na véspera de ir nadar.

E assim é Agosto,
na sua fúria endiabrada,
de chegar sem saber estar."

Morreu Julho

Aquando da morte de Julho, Agosto decidiu revelar o ensaio crítico que elaborou acerca daquela pessoa, avaliação efectuada ainda a meio de Junho.
Crítico factual. Nunca destrutivo.

Prestamos-lhe assim homenagem com a transcrição dessas palavras:

"Julho é a irmã mais velha.
Uma senhora,
uma mulher,
mais para mais encantadora.

Rejubila num vestido
muito leve e florido.
De um bonito colorido.

É bom vê-la rodar assim.

Tem uma voz calma,
calmante.

Chamamento quente e sonante,
parece chamar por mim.
Mas é de todos os que a ouvem
num bater de asas suave.

E assim é Julho,
com flores secas à cabeça,
melodias na cabeça
que divertem ao passar."