segunda-feira, 27 de abril de 2009

Eu sou um ovo cozido!

Ezequiel Redondo passou a vida inteira a acreditar que era um ovo cozido.
Seria louco? Teria ele uma obsessão? Os vizinhos não sabiam, apenas repetiam que nunca tinham tido melhor vizinho.

“- Era um homem muito pacato, sossegado…”, diziam eles.
E era, de facto.

Ezequiel Redondo, na sua insana visão de si próprio, passava os dias sentado na cadeira de balouço, a pensar em nada, sem fazer nada. Tudo porque, segundo ele, era isso que se esperava de um ovo cozido.

Um dia recebeu a visita de uma equipa de reportagem, uma jovem jornalista e um operador de câmara entraram-lhe pela casa adentro. Queriam entrevistá-lo para a televisão. Mas ele nada disse, limitou-se a olhar para eles, enquanto se balouçava na cadeira.

A repórter, inquieta, insegura, perguntava:
“- Um ovo cozido humano?! Coisa nunca vista! Quer comentar?”.
Sem sucesso, nem uma palavra.

Até que, numa manhã cinzenta, aconteceu uma mudança radical.

Ezequiel Redondo levantou-se da cadeira, despiu-se lentamente, quase como em câmara lenta, gritando ao mesmo tempo:
“- Eu sou um ovo cozido!”.

Depois, começou a arrancar a própria pele, a descascar-se como o ovo que acreditava ser, sem chorar nem gemer, com uma expressão terna no olhar.

Os vizinhos assomaram logo à porta, curiosos do que se estava a passar, preocupados pelo destino incerto do seu companheiro mais sossegado.

O senhorio achou que o grito aflitivo que ouvira, tão estranho e aterrador, era razão suficiente para arrombar a porta. Com um pontapé resolveu o assunto.

Encontrou Ezequiel Redondo feliz, meio vivo, meio morto, meio aluado, já completamente descascado.

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